quinta-feira, 29 de maio de 2014

Dos amores que tive



Aquele que amou mas não lutou
Amor doce, inocente. Acreditava na vida cor de rosa, nos casais dos romances juvenis. Soube amar, mas amou pra si, não amou para o outro.

Aquele que preferiu viver a idealização
A virgem pálida de Álvares de Azevedo era a sua busca. Preferia rosas à girassóis... Foi um amor doce, pois não concretizado. A memória de um único beijo o torna poético e distante.

Aquele que me quis quando já não queria mais
Temeu dar nomes, temeu declarar sentimentos, temeu olhar nos olhos e dizer a verdade, dolorida ou não. Quando partiu, quis voltar, sentiu que algo ainda precisava ser vivido, que esse amor lhe fazia bem... Mas as marcas deixadas pela ausência de cuidado já haviam cicatrizado, já haviam se tornado parte do corpo, e o tempo não volta.

Aquele que precisava de alguém e não de mim
O mais denso, o mais profundo, o mais duradouro e dolorido. Acreditamos juntos que era para sempre, fizemos planos para uma vida, viagens, casa no campo, apartamento na cidade, velhice... Mas as mudanças que o tempo impõe tornaram-se inevitáveis e cruéis... Tornamo-nos distantes, desconhecidos, magoamo-nos, buscamos as feridas mais antigas... Ele não acreditou, desconfiou, criou histórias em que a verdade era desimportante... Tornou o infinito finito, o para sempre, memória. Substituiu a relação como quem substitui peças de uma máquina que precisa de manutenção. Não era esse amor que importava, era o amor, por alguém, independentemente de quem.


Aquele que acreditava que as suas vontades eram mais importantes que os sentimentos dos outros
Ele não me enganou. Ele se enganou. Achava mesmo que era aquilo que mostrava ao mundo. Via-se como aqueles que estudava e admirava, mas era representação, dissimulação. Olhá-lo mais profundamente, mais de perto, possibilitou ver aquilo que ele mais desejava esconder, ver aquilo que ele era todas as noites, sem os óculos que o tornavam um homem de bem.
Egoísta, colocava seus desejos mais mundanos, mais carnais, em primeiro plano, em detrimento do outro, em detrimento de si mesmo. O amor durou o caminho até a decepção. Apenas.

 Aquele que amou a imagem que criou, a segurança que acreditou ter encontrado
Não correspondi. Não me deixei cativar. Não estava disponível, disposta. Não saberia cuidar como ele precisava, como ele merecia. A mulher que ele imaginou existir era muito mais bonita, intensa e virtuosa do que a que de fato existia. Ele precisava de um amor doce, tranquilo, e eu só tinha a oferecer mágoas e angústias. Precisava de segurança tanto quanto ele, talvez mais, e não a encontrei.

Aquele que se embruteceu e desacreditou do amor
Havia aceitado a irremediável condição humana de estar só. Aceitado que a busca por meu equilíbrio era a tônica do momento, que acreditar em um amor companheiro, amor tranquilo, interessaria apenas aos fôlegos recuperados através da escrita.
Ele apareceu da forma mais inusitada, com todos os estereótipos daquele que não carregaria o que busco. Mostrou-se disposto, quis me conquistar, quis me conhecer, não buscava jogos, buscava sinceridade.
Tão rápida quanto foi a minha entrega foi o término de sua disposição. Eu estava ferida, mas ele estava mais e o que para mim fora um resgate, um recomeço, uma vontade de viver aquela história, para ele resultou no medo de deixar de ser quem já havia se acostumado. Estarmos juntos significaria repensar sua forma de ver o mundo, se controlar, voltar a acreditar naquilo que outrora fazia sentido mas que hoje não fazia mais. Não teve força, não teve vontade, preferiu viver a certeza de um caminho muitas vezes trilhado, caminho que se trilha só.


Sou todos eles... Tenho todos eles em mim...  


terça-feira, 27 de maio de 2014

E qual é a minha condição?


"O que eu era antes não me era bom (mas) de meu próprio mal eu havia criado um bem futuro. O medo agora é que meu novo modo não faça sentido? Mas por que não me deixo guiar pelo que for acontecendo?"


Clarice Lispector - A paixão segundo G.H.




Ele havia escolhido seguir. Não tinha pensado muito em para onde, em porque, apenas tinha percebido que o caminho que trilhava já não lhe cabia mais, não era mais ele. Não era a primeira vez que se via na eminência de uma mudança drástica, dura. Mas se outrora a vida lhe havia imposto essa mudança hoje era ele que impunha à vida a necessidade de mudar. Não fazia mais sentido... E sentido era algo que lhe importava.
Mas apesar de sentir, de saber que a mudança era inevitável, como deixar de ser quem sempre fora? Como trilhar novos caminhos, conviver com outras pessoas, como ser aquilo que sempre lhe parecera tão distante?
A superficialidade a muito lhe incomodava. A vida mundana, a dissimulação diária das pessoas que fingem ser: Fingem ser felizes... Fingem ser interessantes... Fingem ser importantes e se importarem... Mas, afinal, não era ele também ator dessas situações?
Havia escolhido não sentir. Havia escolhido não se importar com o outro. A entrega aos sentimentos já lhe havia causado dor, e não se importar era mais seguro, mais fácil e previsível. A vida dependia só dele, as escolhas e as consequências seriam só dele, aprendera da forma mais dura que a condição natural do ser humano era estar só.
Por que agora, depois de tantas marcas no corpo, tantas tatuagens naturais, iria mudar mais uma vez? Por que sair dessa condição e se aventurar em outra? Seria essa a condição da vida, então? Mudar sempre, mudar constantemente, viver em constante adaptação à nova condição?
Nunca se vira em tanto conflito, em tanta dúvida. Às vezes se percebia decidido, mas a incerteza da nova estrada lhe causava um grande sentimento de prostração, de inutilidade. Detestava se perceber sem o controle de sua vida. E porque ficar? Porque permanecer na inércia se essa tão pouco fazia sentido. Era isso, buscava sentido, buscava razão... Sentimentos não eram importantes.
Uma vida nova? Alguém para trilhar junto? Arte, sentimentos, se importar, se entregar? Seria essa a sua nova condição? Certa vez ouvira uma metáfora sobre o girassol que se mostra forte mais não perde a poesia, que resiste aos desatinos do tempo e se mantém erguido diante das tempestades. Como atingir essa condição?
Sentido, equilíbrio, ser um pouco do que fora em um passado remoto e um pouco do que fora em um passado recente. Ser os dois e não ser nenhum. A sabedoria dos caminhos trilhados sem o cansaço que formara as tatuagens naturais. Permitir-se novas tatuagens, novas marcas e lembranças. Novas histórias. Seria essa a sua nova condição?
E se esse novo modo também não fizer sentido? E se o mal que ele mesmo se fez e que se converteu em bem, em condição permanente, for o melhor caminho a traçar? Permitir-se mudar era tão dolorido quanto continuar na inércia.

Mas ele havia escolhido seguir. Havia escolhido sair da confusão. Restava agora iniciar a jornada.