terça-feira, 27 de maio de 2014

E qual é a minha condição?


"O que eu era antes não me era bom (mas) de meu próprio mal eu havia criado um bem futuro. O medo agora é que meu novo modo não faça sentido? Mas por que não me deixo guiar pelo que for acontecendo?"


Clarice Lispector - A paixão segundo G.H.




Ele havia escolhido seguir. Não tinha pensado muito em para onde, em porque, apenas tinha percebido que o caminho que trilhava já não lhe cabia mais, não era mais ele. Não era a primeira vez que se via na eminência de uma mudança drástica, dura. Mas se outrora a vida lhe havia imposto essa mudança hoje era ele que impunha à vida a necessidade de mudar. Não fazia mais sentido... E sentido era algo que lhe importava.
Mas apesar de sentir, de saber que a mudança era inevitável, como deixar de ser quem sempre fora? Como trilhar novos caminhos, conviver com outras pessoas, como ser aquilo que sempre lhe parecera tão distante?
A superficialidade a muito lhe incomodava. A vida mundana, a dissimulação diária das pessoas que fingem ser: Fingem ser felizes... Fingem ser interessantes... Fingem ser importantes e se importarem... Mas, afinal, não era ele também ator dessas situações?
Havia escolhido não sentir. Havia escolhido não se importar com o outro. A entrega aos sentimentos já lhe havia causado dor, e não se importar era mais seguro, mais fácil e previsível. A vida dependia só dele, as escolhas e as consequências seriam só dele, aprendera da forma mais dura que a condição natural do ser humano era estar só.
Por que agora, depois de tantas marcas no corpo, tantas tatuagens naturais, iria mudar mais uma vez? Por que sair dessa condição e se aventurar em outra? Seria essa a condição da vida, então? Mudar sempre, mudar constantemente, viver em constante adaptação à nova condição?
Nunca se vira em tanto conflito, em tanta dúvida. Às vezes se percebia decidido, mas a incerteza da nova estrada lhe causava um grande sentimento de prostração, de inutilidade. Detestava se perceber sem o controle de sua vida. E porque ficar? Porque permanecer na inércia se essa tão pouco fazia sentido. Era isso, buscava sentido, buscava razão... Sentimentos não eram importantes.
Uma vida nova? Alguém para trilhar junto? Arte, sentimentos, se importar, se entregar? Seria essa a sua nova condição? Certa vez ouvira uma metáfora sobre o girassol que se mostra forte mais não perde a poesia, que resiste aos desatinos do tempo e se mantém erguido diante das tempestades. Como atingir essa condição?
Sentido, equilíbrio, ser um pouco do que fora em um passado remoto e um pouco do que fora em um passado recente. Ser os dois e não ser nenhum. A sabedoria dos caminhos trilhados sem o cansaço que formara as tatuagens naturais. Permitir-se novas tatuagens, novas marcas e lembranças. Novas histórias. Seria essa a sua nova condição?
E se esse novo modo também não fizer sentido? E se o mal que ele mesmo se fez e que se converteu em bem, em condição permanente, for o melhor caminho a traçar? Permitir-se mudar era tão dolorido quanto continuar na inércia.

Mas ele havia escolhido seguir. Havia escolhido sair da confusão. Restava agora iniciar a jornada. 

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