"O que eu era antes não me era bom (mas) de meu próprio
mal eu havia criado um bem futuro. O medo agora é que meu novo modo não faça
sentido? Mas por que não me deixo guiar pelo que for acontecendo?"
Clarice Lispector - A
paixão segundo G.H.
Ele havia escolhido seguir. Não tinha pensado muito em para
onde, em porque, apenas tinha percebido que o caminho que trilhava já não lhe
cabia mais, não era mais ele. Não era a primeira vez que se via na eminência de
uma mudança drástica, dura. Mas se outrora a vida lhe havia imposto essa
mudança hoje era ele que impunha à vida a necessidade de mudar. Não fazia mais
sentido... E sentido era algo que lhe importava.
Mas apesar de sentir, de saber que a mudança era inevitável,
como deixar de ser quem sempre fora? Como trilhar novos caminhos, conviver com
outras pessoas, como ser aquilo que sempre lhe parecera tão distante?
A superficialidade a muito lhe incomodava. A vida mundana, a
dissimulação diária das pessoas que fingem ser: Fingem ser felizes... Fingem
ser interessantes... Fingem ser importantes e se importarem... Mas, afinal, não
era ele também ator dessas situações?
Havia escolhido não sentir. Havia escolhido não se importar
com o outro. A entrega aos sentimentos já lhe havia causado dor, e não se
importar era mais seguro, mais fácil e previsível. A vida dependia só dele, as
escolhas e as consequências seriam só dele, aprendera da forma mais dura que a
condição natural do ser humano era estar só.
Por que agora, depois de tantas marcas no corpo, tantas
tatuagens naturais, iria mudar mais uma vez? Por que sair dessa condição e se
aventurar em outra? Seria essa a condição da vida, então? Mudar sempre, mudar
constantemente, viver em constante adaptação à nova condição?
Nunca se vira em tanto conflito, em tanta dúvida. Às vezes se
percebia decidido, mas a incerteza da nova estrada lhe causava um grande sentimento
de prostração, de inutilidade. Detestava se perceber sem o controle de sua
vida. E porque ficar? Porque permanecer na inércia se essa tão pouco fazia
sentido. Era isso, buscava sentido, buscava razão... Sentimentos não eram
importantes.
Uma vida nova? Alguém para trilhar junto? Arte, sentimentos,
se importar, se entregar? Seria essa a sua nova condição? Certa vez ouvira uma metáfora
sobre o girassol que se mostra forte mais não perde a poesia, que resiste aos
desatinos do tempo e se mantém erguido diante das tempestades. Como atingir
essa condição?
Sentido, equilíbrio, ser um pouco do que fora em um passado
remoto e um pouco do que fora em um passado recente. Ser os dois e não ser
nenhum. A sabedoria dos caminhos trilhados sem o cansaço que formara as
tatuagens naturais. Permitir-se novas tatuagens, novas marcas e lembranças.
Novas histórias. Seria essa a sua nova condição?
E se esse novo modo também não fizer sentido? E se o mal que
ele mesmo se fez e que se converteu em bem, em condição permanente, for o melhor caminho
a traçar? Permitir-se mudar era tão dolorido quanto continuar na inércia.
Mas ele havia escolhido seguir. Havia escolhido sair da
confusão. Restava agora iniciar a jornada.
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