quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Celebração às quartas-feiras




Todos os dias eu repetia a mesma rotina. Chegar, rir, dizer olá, trabalhar, rir, manter a pose, voltar. Repetidamente, como um relógio que nunca precisou de corda por ser moderno demais, seguia o TIC TAC da minha vida profissional, sempre separando o que cada ambiente poderia me proporcionar, o que cada lugar de minha vida deveria significar.
E então me percebi no descontrole. Em meio a uma tempestade de ideias e acontecimentos não soube como reagir, fui contraditória, fui atriz, sorri querendo chorar, disse que estava tudo bem quando a dor me consumia lentamente.
E, racional como sempre, busquei, nos lugares milimetricamente calculados para serem os certos, ajuda, busquei naqueles que nunca duvidei que estariam e estarão ao meu lado, um alento, uma projeção de dias melhores que virão.
E o destino, o acaso, a natureza, ou o que quer que seja, me permitiu também olhar ao redor, e encontrei no lugar da rotina estafante, da persona séria e competente que não sofre, não sai do eixo, olhares sinceros que não me julgavam, não me condenavam, não problematizavam as conseqüências do meu descontrole, que simplesmente me permitiam ser quem eu sou, falar o que penso e chorar minhas mágoas.
Pessoas tão diferentes, com histórias, experiências e dores muitas vezes opostas, mas que se fizeram de pilastras uma para as outras, que foram minhas pilastras, pessoas que se identificaram, que se permitiram abrir outro espaço da vida, pelo prazer de conviver com quem correspondia à necessidade de muitas vezes apenas ficar calada, ou de falar qualquer assunto tonto e inútil que me fizesse por algumas poucas horas ser outro alguém, menos chato, menos confuso, menos contraditório, mais passível de erros e incertezas.
E como em toda relação criamos nosso espaço, escolhemos nosso ritual, passamos a vivenciar essas novas amizades e a descoberta de que pessoas tão especiais estavam ali o tempo todo, com dia e hora marcados. E como dói quando não podemos seguir o ritual!
Afinal, às quartas-feiras passaram a ter uma nova energia, uma nova expectativa, um delicioso desfecho que pede repetição, não por rotina, mas por celebração!

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Por estarem distraídos



Foram então aprender que, não se estando distraído, o telefone não toca, e é preciso sair de casa para que a carta chegue, e quando o telefone finalmente toca, o deserto da espera já cortou os fios. Tudo, tudo por não estarem mais distraídos.
Clarice Lispector


Por estarem distraídos com a loucura diária, com as obrigações cotidianas e a ordem natural da vida não sentiram suas gargantas secas, nem provaram da doce embriaguez da presença de cada um.
Por estarem distraídos não se permitiram o toque casual, incontrolável, que a convivência acaba por gerar... E caso acontecesse, não o vivenciaram, não o sentiram, encararam como sendo um esbarrão qualquer da vida.
Por estarem distraídos não se procuraram, não se olharam, e quando por um pequeno lapso seus olhares se cruzavam, os desviavam, convencendo-se que havia sido uma coincidência.
Por estarem distraídos não perceberam que dali algo poderia nascer... Que facilmente uma história surgiria, que eles conversavam e se entendiam muito mais do que imaginavam.
Por estarem distraídos negaram as palpitações no coração com a presença do outro, à vontade de estarem juntos, mesmo de vez em quando, sem obrigatoriedades ou rótulos da vida real.
Por estarem distraídos não se permitiram sentir... E o tempo cumpriu sua função e fez daqueles olhares e daquelas sensações algo menor diante das maioridades mundanas, diante das complexidades que criamos, quando as relações poderiam ser bem mais simples.
Por estarem distraídos não viveram essa história. Não se entregaram... Passaram... E foram esquecidos.

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Do porque não se fechar para o mundo...



“Cada um sabe a dor e a delícia de ser quem é”
                                                                       Caetano

Viver é ser outro. Nem sentir é possível se hoje se sente como ontem se sentiu: sentir hoje o mesmo que ontem não é sentir - é lembrar hoje o que se sentiu ontem, ser hoje o cadáver vivo do que ontem foi a vida perdida.
Fernando Pessoa



Alguém consegue quantificar sofrimentos? Há uma fórmula para determinar o grau de dor e angústia do outro? Há alguém capaz de dizer que o meu coração dói mais ou menos que o seu?
Hoje conversei muito com dois queridos alunos... Duas dores tão opostas e tão iguais... E eu, ser adulto da questão, pude me identificar e aprender com eles, me permiti mostrar meu lado humano, que também passa por angústias e descontroles e em troca pude olhar nos olhos deles e não só partilhar das dores mas me colocar no lugar deles também...
Vivenciei com intensidade e verdade cada problema e cada reflexão... Suas narrativas me prendiam e me permitiam ver, sentir, chorar cada momento que vinham passando... E não é essa afinal a função das relações humanas?
Por isso escrevo, por isso me relaciono com os outros, por isso não me fecho em casulos e em realidades paralelas ainda que muitas vezes a fuga parece a melhor saída... O que não estaria perdendo se não me permitisse olhar as pessoas de verdade e vivenciar suas histórias... Do que não me privaria se não corresse o risco de mostrar para os outros os tantos eu´s que me compõem.

sábado, 25 de fevereiro de 2012

"O tempo é mercúrio-cromo, o tempo é tudo o que somos"



Desde criança tenho sérias dificuldades em lidar com o tempo. Nunca soube esperar... Meu pai costumava dizer que eu queria abraçar o mundo, e que era importante ter cuidado, pois o peso dele poderia ser maior do que eu conseguiria carregar naquele momento.
Cresci, aprendi muito, mas ainda tenho sérios problemas com isso... Quando quero alguma coisa estruturo, planejo, faço acontecer, aceito a espera desde que ela seja parte do plano, mas, e as emoções?
Todas as discussões de relação que tive sempre se agravavam por conta dessa minha falta de jeito com o tempo, o que eu queria dizer era dito na hora, no calor das emoções, e sempre machucava mais... Esperar o tempo do outro, então... como era difícil! Por que não falar agora, por que dormir com dor?
Mas esse “mercúrio cromo” vive tentando me ensinar... E vem conseguindo... Cada vez mais percebo como realmente precisamos aprender a parar, esperar, digerir as informações, as dores, as verdades, e só depois agir... Com calma... não no auge do descontrole, da raiva, do desejo...
 De quantas dores eu não teria me poupado? Não sei, mas também não importa... Tá aí outra grande característica do tempo, ele não volta atrás... Posso aprender com ele, posso me fortalecer nele, mas só consigo seguir, o antes nunca será o depois...

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Só por hoje...








- Levanta!
- Por quê?
- Porque você caiu...
- Mas isso não é motivo... Quero ficar no chão...
- Claro que não. Aí ninguém te vê... Fica mais fácil te pisar... machucar...
- Já não me importa mais... Tanto faz se pisarem ou não. Cansei de ficar em pé... Cansei de caminhar, quero ficar aqui sentada, quietinha, olhando pra quem passar...
- Mas aí embaixo você não vai ver direito... O ângulo não é bom.... Vai enxergar tudo distorcido, desfigurado... Não vai ver o que realmente é...
- Mas não deixa de ser... Só que a partir de outro ângulo...
- Não de outro ângulo qualquer, do pior deles. Ok! Todo mundo tem um ângulo ruim... Mas, vê-lo sem ver o outro torna tudo bem mais difícil...
- Tanto faz...  Assim não crio expectativas e não me decepciono...
- Impossível, meu bem! Sempre esperamos alguma coisa do outro. Sempre criamos idealizações, expectativas, vontades... E só depois o conhecemos de verdade... Se bem que isso também é muito relativo... Conhecemos naquele momento... Mas e depois... Mudamos tanto... Só as idealizações permanecem...
- Horrível... Ângulos ruins... Idealizações que te frustram... Levantar pra que? Pra viver isso? Já te disse... Prefiro ficar aqui... Quietinha...
- Mas aí, tudo vai passar... você vai ter olhado tudo aí de baixo e quando menos perceber todos passaram, não te olharam, te esqueceram..
- É que...
- O tempo, vai te consumir... O cotidiano vai te embrutecer... E você não vai levantar nunca... Quanto mais tempo ficar aí embaixo mais difícil vai ser levantar...
- Mas dói...
- Então sinta a dor... De verdade... Ela passa, sempre passa... E as marcas que ficam na nossa carne servem pra que a gente nunca mais caia pelo mesmo motivo... Servem pra te mostrar que você está vivendo intensamente...
- Dói...
- Eu sei, mas levanta... Encara a dor... Olha ela de frente, aceita que ela tá aí... Não tenha medo dela, quando você menos perceber quem estará aí em baixo será ela, e não você...
- Espero... mas demora?
-  Aí depende de você...
- Posso me trancar em um casulo enquanto isso?
- Pode, mas quando você sair a dor será muito maior e o buraco que você caiu bem mais fundo...
- ...
- Encara agora... Seja forte... Como sempre foi... Chega de descontrole... Pé firme... Vai...
- Vou, mas não sei se agüento por muito tempo...
-Aguenta por hoje... Amanhã lutamos outra vez!

Essa dor...





Marteladas pertubam e dão ritmo aos pensamentos. Uma fusão de antíteses que se enfrentam para ver quem pode mais. Torna-se insuportável o som da angústia, a pulsação das incertezas... Cansativo! Repetitivo! Tolo! Fútil! Tantos outros problemas, Tantas lutas e conquistas... Como pode entregar-se a sentimentos tão humanos, tão normais? Sem chão, sem alicerces, sem perspectivas... Faz da sua história tão bonita uma doce lembrança, faz dos seus planos tão reais uma distante possibilidade... O sono não vem... O descanso não vem... A segurança não vem... A tranquilidade a muito já se foi... Entre a monotonia e a angústia, escolher o que? Entre a segurança e a dúvida, escolher o que? Torna-se físico... dolorido... exaustivo... Vontade de se entregar... De recomeçar... Apagar tudo... Fugir... Se reconstruir... Se reinventar...