quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Um outro eu...

Sento-me no beiral da janela do meu quarto, essa paisagem me chama a atenção a anos, desde os tempos de adolescente quando aqui ainda era a casa dos meus tios, a diferença está na quantidade de prédios que vem se proliferando devido a especulação imobiliária, mas o que mais me chama a atenção é aquela árvore, sobrevivente, que permanece ali entre os prédios, frondosa, cheia de vida, dando um respiro àquele cenário de concreto.
Inclino-me à esquerda para ver o resquício de horizonte que os prédios ainda permitem, até quando, é uma incógnita. Trago meu cigarro, lentamente, esse é o meu momento,  aqui me encontro, me interiorizo, me permito simplesmente ser, sem saber ao certo o que. Olho pro telhado que fica a minha frente e vejo as milhares de bitucas de outros cigarros que um dia compuseram outros momentos assim.
Olho pra dentro do quarto e vejo meus óculos ao lado do notebook em cima da cama, ao redor os livros que embasam meus estudos sobre tudo aquilo que defendo, como se fosse um resquício das ideologias que ainda restam da minha adolescência e que teimo em mantê-las, é nelas que me faço homem, forte, altivo, é por elas que trilhei meu caminho...
Desço do beiral e caminho ao redor da cama, me desvisto da calça jeans e da camiseta como se me desvestisse também de tudo aquilo que preciso ser diariamente. Pai, marido, profissional respeitável, provedor de família, exemplo para as futuras gerações que ajudo a educar. Aqui não há cobranças, não há papéis sociais.
Fico nu, mesmo sabendo que as várias janelas dos prédios vizinhos formam diversos ângulos de espectadores para a minha nudez, mas já não me importo mais, a muito não me importo com o que os outros pensam, ou tento não me importar. Nado contra a correnteza social, e mesmo sabendo que diariamente sou influenciado por todo esse pensamento judaico cristão que nos oprime busco sobreviver. Já não sinto mais culpa, já não tenho mais medo do pecado.
Meus trinta e tantos anos me permitem analisar friamente minha trajetória de vida, minhas escolhas, minhas renúncias, minhas tentativas frustradas de um amor idealizado que já não acredito mais existir. A ignorância da juventude já me deixou, me fazendo perceber que a vida não é tão simples, tão maniqueísta, que as verdades não são tão óbvias e pré-estabelecidas. Hoje já não quero mais saber de verdades, de contratos sociais, quero me entregar a tudo aquilo que o momento permitir, viver intensamente os desejos e as vontades que se constroem à minha frente.
Deito na cama, olhando pro teto, deslizo minha mão pelo meu corpo, nesses momentos sinto um desejo incontrolável de uma outra mão fazendo isso, me sentindo, me tocando...Meu corpo suado me remete a outros tantos momentos já vividos nessa cama, outros momentos de entrega às vontades do corpo e dessa tal alma que temos mas não sabemos muito bem como. Me satisfaço, sozinho, com minhas lembranças e devaneios, tento não ater-me tanto ao passado, mas às vezes ele me pega e acabo por me entregar. Delicioso seria poder revivê-lo sempre, apenas as melhores recordações, as mais intensas.
Depois do gozo e do êxtase adormeço, entregue ao turbilhão de sensações que me compõem naquele instante. Horas depois me desperto, já restabelecido. As obrigações e responsabilidades voltam a minha mente, os mesmos livros e papéis ainda estão sobre a cama como uma metonímia de todas as tarefas que ainda tenho que fazer. Recolho meus óculos e os coloco outra vez, me torno o cotidiano Clark Kant e deixo de ser super homem, pra me entregar a vida real. 

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