domingo, 16 de março de 2014

Crônica daquilo que poderia ter sido e não foi (ou, sobre quem desaprendeu a amar)



Busquei o equilíbrio... Chacoalhei uma vez mais as poeiras dos meus ombros, as dores da minha existência e tracei uma vida tranquila. Encontrei meu templo, meu canto, de paredes brancas e rede preguiçosa. Permiti-me, com tempo e aos poucos, cuidar de cada detalhe, de cada parede, de cada pedacinho desse lugar.

Não lhe esperava, não lhe pedia mais ao universo, não acreditava mais que conseguiria partilhar de mim com alguém, mas você surgiu, magicamente, como um presente de natal, na noite de uma festa em que eu estava mais ao sul que ao norte.

Você se mostrou, me contou os seus segredos de liquidificador e eu passei quinze longos dias ansiando por voltar do paraíso e ir ao encontro da vida real... Esperava cada mensagem, cada bom dia, e partilhava cada momento do paraíso com você.

Você foi meu presente de natal. Você foi meu desejo de ano novo. Aquele com quem eu quis falar assim que a noite boa se anunciou. Queria-lhe ali comigo... Ouvia seu nome tão comum na minha família e via-me achando graça em lhe buscar onde definitivamente você não estaria.

Estive no paraíso, e não olhava ao redor... Meu acompanhante do baile de gala foi você a mais de 1000 quilômetros de distância, me estimulando a dançar, fazendo piadas e me arrancando sorrisos como poucos conseguiram.

Temi ouvir a sua voz. Calei-me, emudeci.Vacilei diante da eminência do encontro. Mas você veio, no dia em que a vida doía, abraçou-me, beijou-me e mostrou-me que as mensagens, a voz e o homem da foto eram todos a mesma pessoa.

Doce e rápida foi a descoberta. Do toque, do gosto, do cheiro, daquilo que nos era semelhante e do que nos era diferente. O quanto não era, afinal, diferente. Mas não importava, porque era bom estarmos um com o outro.

Você ouviu minhas angústias, minhas mágoas e carregou comigo aquilo que a vida cotidiana tem de mais mesquinho e mais banal... Mas a vida cotidiana com você também voltou a ser bonita... Reaprendi o prazer de dividir uma cama, de dormir abraçada, de acordar a noite sendo puxada pra ficar mais pertinho. Reaprendi o gosto bom de uma tarde de faxina, de seriados no sofá, de cafunés e bons dias mal-humorados por ter acordado cedo.

Quando as lembranças machucaram, você abraçou-me forte, segurou-me e não precisei mais me conter, não precisei mais ser a mulher forte, apenas. O nó no estômago foi para a garganta e se precipitou nos olhos. E você estava lá para recebê-lo e transformá-lo em algo pequeno, desimportante.

Você acessou aquilo que havia de mais dolorido em mim, mas a busca por cicatrizar as minhas feridas me impediu de cuidar das suas e quando menos percebi essas já sangravam outra vez. Porque aquele que ama apenas uma vez e teme amar de novo, desaprende a amar. Os fantasmas de outrora assombram, perseguem e transformar pequenos detalhes em enormes sombras. As suas feridas estavam abertas, e eu não soube fechá-las.

Você viu além do que eu mostrava, viu-me menina e mulher, mas covardemente escondeu-me a doçura que lhe permitira ver-me além do visto. Você não me deixou entrar. Não me deixou lhe mostrar que nenhuma dor deve ser para sempre, que estamos no mundo para sentir, para viver, amar.

A possibilidade da perda lhe fez optar por ela. A possibilidade do sofrimento lhe fez buscá-lo, e a história que começa bonita e inesperada acaba assim, no hiato do temor em continuar.

Não há continuação... Só reticências...

sábado, 15 de março de 2014

Do porque sempre preferi girassóis



Porque eu gosto é de rosas e rosas e rosas
Acompanhadas de um bilhete me deixam nervosa
Ana Carolina

Os girassóis
amarelo!
resistem.
        Manuel Bandeira



Frágil, delicada, bela, refinada... Protegida na cúpula de vidro.
A rosa é uma moça rica, de pele delicada, que chama atenção apenas pelo seu caminhar.


Grande, exagerado, exótico, brega, desgrenhado. O girassol é uma mulher forte, que segue, resiste.





quarta-feira, 12 de março de 2014

Diálogos com Neruda e Drummond









Quando Bandeira não fazia mais sentido...
Quando Drummond simbolizava anseios de outrora,
tão distantes e agora melancólicos...
Quando Florbela e Alejandra me compreendiam, e eu a elas...
Quando Vinícius me parecia belo apenas pela escolha das palavras...
Quando Neruda e eu só dialogávamos nas expressões do Carpe Diem...
Quando a literatura passou a ser somente literatura...

Nasceu uma flor de cerejeira... Garanto que nasceu!

quarta-feira, 5 de março de 2014

De como a solidão me cai bem




"Nada mais vai me ferir é que eu já me acostumei, com a estrada errada que eu segui com a minha própria lei, me sinto tão só e dizem que a solidão até que me cai bem"
Legião Urbana





Outra vez o medo torna-se latente. Outra vez os caminhos tortuosos se apresentam. A poesia, as cerejeiras passam a ser lembranças de alguém que talvez não devesse ter voltado.
Outra vez a cama volta a ser grande, os pratos do jantar diminuem de quantidade e a rotina passa a não necessitar adaptações. Adaptações tão docemente escolhidas.
Outra vez a necessidade de seguir, de saber que tudo na vida tem fim, que no final é você com você mesmo, e que cafunés e carinhos são bonitas lembranças de uma realidade que não mais te compõe. De um passado bonito, apenas...
Outra vez uma história que poderia ter sido e não foi. Outra vez um amor interrompido, uma dor sufocada. Outra vez... Outra vez...
E disso tudo o que levo são novas perguntas tão antigas: Como ser você e ainda assim amar?
Como deixar que duas de você, tão antagônicas e ainda assim tão complementares coexistam?
Os caminhos voltam a ser obscuros, mas afinal seus olhos já se adaptaram outrora a essa escuridão...