quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

Terrores noturnos


A noite – enorme, tudo dorme
Menos teu nome

Leminski



Algo no meu peito me sufoca
Me oprime, me impede de respirar
O pranto rompe em minha garganta
Mas os olhos já estão cansados do desfecho

Algo no meu peito me sufoca
Imagens passam incessantemente
meu olhar não sendo meu, meu toque não sendo meu
a ausência daquilo que nunca ficou

Algo no meu peito me sufoca
A dor de não saber como seguir
De entender que a razão é o melhor caminho
Mas ter desaprendido a ouvi-la

Algo no meu peito me sufoca
A perda do meu braço, do meu canto
Sentir-me sozinha, errante
Não mais partilhar, apenas eu

Algo no meu peito me sufoca
A certeza de que teríamos sido grandes
Que olhamos mais a fundo do que outros
E polos opostos, nos completamos.


Algo no meu peito me sufoca - Apenas...

quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

Então é natal...



Ver meu sobrinho ansiando pela meia-noite é lembrar de como eu ficava quando criança. Acordava esperando que tudo no dia 24 fosse especial. Nada poderia ser como nos outros dias, porque era véspera de natal, a vida tinha que ser mágica pelo menos em um dia no ano.
Muitos foram os natais significativos, aquele em que ganhei a minha primeira bicicleta, ou quando jurei ter visto o papai noel cruzando o céu perto de casa ou, na pré-adolescência, quando pude ficar a primeira vez na rua até as 6 da manhã. O natal era muito esperado, muito amado.
Minha família gosta de natal. Meu pai faz presépio, minha mãe monta a árvore de natal e me obriga a fazer compras com ela na véspera, encarando filas e filas, por amor a ela. Minha família se reúne e agradece pelo que foi e pelo que vai ser.
Hoje, aos 28 anos, um pouco desencantada da vida, das pessoas e da poesia na existência, talvez tenha perdido a magia que o natal me cercava quando criança. Pensava antes que a magia havia ido embora porque era difícil mantê-la diante da compreensão do funcionamento e da funcionalidade das religiões, mas não acho que tenha sido isso, já que o que me atraia mesmo era o quanto o mundo poderia ser mais bonito nesse dia, independentemente do porquê.
Hoje, faltando quatro horas para a virada do natal, ainda estou em casa jogada no sofá vendo seriado, reproduzindo o cotidiano, transformando essa data em algo banal, menos especial, nada mágico, mas como uma fagulha de esperança de um momento pleno, espero a tradicional oração à meia-noite, onde agradecemos pelo que veio e expurgamos o que foi.

Anseio por agradecer pelo que veio e expurgar o que foi e, quem sabe, um dia, a magia seja restabelecida.  

domingo, 21 de dezembro de 2014

Porque as pedras doem no pé e na alma...



Caminhava sozinha. Pessoas ao redor preenchiam a paisagem, massa cinza e homogênea. Continuava a caminhar, precisava chegar a seu destino.
Os passos, às vezes mais largos, às vezes mais curtos, seguiam num ritmo adaptado ao seu cansaço. Ela já havia caminhado muito e se nos momentos em que partilhava a caminhada com alguém a trajetória parecia mais leve, quando partiam os passos duplicavam de peso, de ranço, se arrastavam.

Caminhar não era uma escolha, era um movimento natural. Todos caminhavam, a massa cinza e homogênea caminhava também, mas pareciam não se importar muito com seus passos, andavam em pequenos grupos, em duplas, normalmente olhavam pra cima, não percebiam o caminhar. Ela, por sua vez, contava os passos. Passos doloridos, machucados... Caminhar sozinha era difícil, mas era melhor assim.

Sobre a primavera (set. 2014)

Chega a primavera. Depois de um doce verão, um conturbado outono e um tenebroso inverno, chega a primavera.
Como Lóri, não quero a efemeridade das flores que nascem e murcham em poucos dias, mas quero a inevitável morte diária para de novo ressurgir.
Que o fim do inverno traga o novo, nessa metrópole insana, como foi para Martin e Mariana, Wally's que se encontraram apesar dos muitos que vagam e preenchem os vazios das ruas.
Que o sol, as flores, a vida, sejam vida nova, novo reinventar.
Seja bem-vinda... Esperei-lhe ansiosamente.

O que aprendi nos últimos 365 dias - 2014

Reaprendi a ter prazer no silêncio, a desfrutar do meu espaço, do meu canto, do meu casulo;
Aprendi que ainda posso amar (no sentido mais doce da palavra) e que a intensidade de um amor não se mede em dias, mas nas experiências, no decifrar do outro;
Aprendi que as pessoas partem, as vezes porque escolheram assim, as vezes porque a vida escolheu, mas quando partem deixam marcas, impossíveis de se apagar, que já te formavam e você nem havia percebido;
Aprendi que quando a vida dói sentimos a dor do agora intensificada pelas dores do ontem e que muitas vezes ela parece insuportável;
Aprendi que eu suporto;
Aprendi que quando não estamos bem deixamos de ser agradáveis para muitos, mas que sempre há aqueles que não se importam e permanecem;
Aprendi a perceber o momento de abrir mão, fechar ciclo, aceitar que o papel foi cumprido e que prolongar o fim só causa dor e desgaste;
Aprendi a olhar o medo de frente e aceitar as minhas limitações, e resgatei aquilo que havia de mais bonito na menina da primeira metade dos 20;
Aprendi que sobrevivo, permaneço e me refaço, uma e outra e outra e outra vez;
Agora é esperar o retorno de Saturno...

O que aprendi nos últimos 365 dias - 2013

- Eu sobrevivo, me reinvento;
- Fico triste, mas já sei não me entregar à tristeza;
- Sei ficar sozinha, mas não gosto;
- Consigo dizer não, mas prefiro ouvi-lo do que dizê-lo;
- As pessoas tem ciclos em nossas vidas. Devemos desfrutar da companhia delas, mas sabendo que em algum momento elas terão que partir;
- O fato das pessoas partirem não diminui a mudança que elas causaram em mim;
- O passado é muito mais bonito visto de longe, mas de perto já não me serve mais;
- Preciso lembrar diariamente do item anterior, isso me ajuda a seguir;
- Já não espero tanto das pessoas, mas ainda crio expectativas;
- Cultivar relações amorosas é algo que exige do indivíduo mais do que hoje eu consigo dar;
- Amanhã posso mudar de ideia;
- Já não me submeto mais a muitas coisas que outrora aceitei para evitar conflitos;
- Não evito mais conflitos;
- Sou mais sensível e mais forte do que imaginava;
- Dormir é importante para descansar do mundo e de mim;
- Preciso de planos, metas, causas... Eles me ajudam a seguir;
- A luta vale a pena...

"Vamos celebrar essa nova maneira de ser, essa luz que acabou de nascer, quando aquela de trás apagou"

quinta-feira, 29 de maio de 2014

Dos amores que tive



Aquele que amou mas não lutou
Amor doce, inocente. Acreditava na vida cor de rosa, nos casais dos romances juvenis. Soube amar, mas amou pra si, não amou para o outro.

Aquele que preferiu viver a idealização
A virgem pálida de Álvares de Azevedo era a sua busca. Preferia rosas à girassóis... Foi um amor doce, pois não concretizado. A memória de um único beijo o torna poético e distante.

Aquele que me quis quando já não queria mais
Temeu dar nomes, temeu declarar sentimentos, temeu olhar nos olhos e dizer a verdade, dolorida ou não. Quando partiu, quis voltar, sentiu que algo ainda precisava ser vivido, que esse amor lhe fazia bem... Mas as marcas deixadas pela ausência de cuidado já haviam cicatrizado, já haviam se tornado parte do corpo, e o tempo não volta.

Aquele que precisava de alguém e não de mim
O mais denso, o mais profundo, o mais duradouro e dolorido. Acreditamos juntos que era para sempre, fizemos planos para uma vida, viagens, casa no campo, apartamento na cidade, velhice... Mas as mudanças que o tempo impõe tornaram-se inevitáveis e cruéis... Tornamo-nos distantes, desconhecidos, magoamo-nos, buscamos as feridas mais antigas... Ele não acreditou, desconfiou, criou histórias em que a verdade era desimportante... Tornou o infinito finito, o para sempre, memória. Substituiu a relação como quem substitui peças de uma máquina que precisa de manutenção. Não era esse amor que importava, era o amor, por alguém, independentemente de quem.


Aquele que acreditava que as suas vontades eram mais importantes que os sentimentos dos outros
Ele não me enganou. Ele se enganou. Achava mesmo que era aquilo que mostrava ao mundo. Via-se como aqueles que estudava e admirava, mas era representação, dissimulação. Olhá-lo mais profundamente, mais de perto, possibilitou ver aquilo que ele mais desejava esconder, ver aquilo que ele era todas as noites, sem os óculos que o tornavam um homem de bem.
Egoísta, colocava seus desejos mais mundanos, mais carnais, em primeiro plano, em detrimento do outro, em detrimento de si mesmo. O amor durou o caminho até a decepção. Apenas.

 Aquele que amou a imagem que criou, a segurança que acreditou ter encontrado
Não correspondi. Não me deixei cativar. Não estava disponível, disposta. Não saberia cuidar como ele precisava, como ele merecia. A mulher que ele imaginou existir era muito mais bonita, intensa e virtuosa do que a que de fato existia. Ele precisava de um amor doce, tranquilo, e eu só tinha a oferecer mágoas e angústias. Precisava de segurança tanto quanto ele, talvez mais, e não a encontrei.

Aquele que se embruteceu e desacreditou do amor
Havia aceitado a irremediável condição humana de estar só. Aceitado que a busca por meu equilíbrio era a tônica do momento, que acreditar em um amor companheiro, amor tranquilo, interessaria apenas aos fôlegos recuperados através da escrita.
Ele apareceu da forma mais inusitada, com todos os estereótipos daquele que não carregaria o que busco. Mostrou-se disposto, quis me conquistar, quis me conhecer, não buscava jogos, buscava sinceridade.
Tão rápida quanto foi a minha entrega foi o término de sua disposição. Eu estava ferida, mas ele estava mais e o que para mim fora um resgate, um recomeço, uma vontade de viver aquela história, para ele resultou no medo de deixar de ser quem já havia se acostumado. Estarmos juntos significaria repensar sua forma de ver o mundo, se controlar, voltar a acreditar naquilo que outrora fazia sentido mas que hoje não fazia mais. Não teve força, não teve vontade, preferiu viver a certeza de um caminho muitas vezes trilhado, caminho que se trilha só.


Sou todos eles... Tenho todos eles em mim...  


terça-feira, 27 de maio de 2014

E qual é a minha condição?


"O que eu era antes não me era bom (mas) de meu próprio mal eu havia criado um bem futuro. O medo agora é que meu novo modo não faça sentido? Mas por que não me deixo guiar pelo que for acontecendo?"


Clarice Lispector - A paixão segundo G.H.




Ele havia escolhido seguir. Não tinha pensado muito em para onde, em porque, apenas tinha percebido que o caminho que trilhava já não lhe cabia mais, não era mais ele. Não era a primeira vez que se via na eminência de uma mudança drástica, dura. Mas se outrora a vida lhe havia imposto essa mudança hoje era ele que impunha à vida a necessidade de mudar. Não fazia mais sentido... E sentido era algo que lhe importava.
Mas apesar de sentir, de saber que a mudança era inevitável, como deixar de ser quem sempre fora? Como trilhar novos caminhos, conviver com outras pessoas, como ser aquilo que sempre lhe parecera tão distante?
A superficialidade a muito lhe incomodava. A vida mundana, a dissimulação diária das pessoas que fingem ser: Fingem ser felizes... Fingem ser interessantes... Fingem ser importantes e se importarem... Mas, afinal, não era ele também ator dessas situações?
Havia escolhido não sentir. Havia escolhido não se importar com o outro. A entrega aos sentimentos já lhe havia causado dor, e não se importar era mais seguro, mais fácil e previsível. A vida dependia só dele, as escolhas e as consequências seriam só dele, aprendera da forma mais dura que a condição natural do ser humano era estar só.
Por que agora, depois de tantas marcas no corpo, tantas tatuagens naturais, iria mudar mais uma vez? Por que sair dessa condição e se aventurar em outra? Seria essa a condição da vida, então? Mudar sempre, mudar constantemente, viver em constante adaptação à nova condição?
Nunca se vira em tanto conflito, em tanta dúvida. Às vezes se percebia decidido, mas a incerteza da nova estrada lhe causava um grande sentimento de prostração, de inutilidade. Detestava se perceber sem o controle de sua vida. E porque ficar? Porque permanecer na inércia se essa tão pouco fazia sentido. Era isso, buscava sentido, buscava razão... Sentimentos não eram importantes.
Uma vida nova? Alguém para trilhar junto? Arte, sentimentos, se importar, se entregar? Seria essa a sua nova condição? Certa vez ouvira uma metáfora sobre o girassol que se mostra forte mais não perde a poesia, que resiste aos desatinos do tempo e se mantém erguido diante das tempestades. Como atingir essa condição?
Sentido, equilíbrio, ser um pouco do que fora em um passado remoto e um pouco do que fora em um passado recente. Ser os dois e não ser nenhum. A sabedoria dos caminhos trilhados sem o cansaço que formara as tatuagens naturais. Permitir-se novas tatuagens, novas marcas e lembranças. Novas histórias. Seria essa a sua nova condição?
E se esse novo modo também não fizer sentido? E se o mal que ele mesmo se fez e que se converteu em bem, em condição permanente, for o melhor caminho a traçar? Permitir-se mudar era tão dolorido quanto continuar na inércia.

Mas ele havia escolhido seguir. Havia escolhido sair da confusão. Restava agora iniciar a jornada. 

domingo, 16 de março de 2014

Crônica daquilo que poderia ter sido e não foi (ou, sobre quem desaprendeu a amar)



Busquei o equilíbrio... Chacoalhei uma vez mais as poeiras dos meus ombros, as dores da minha existência e tracei uma vida tranquila. Encontrei meu templo, meu canto, de paredes brancas e rede preguiçosa. Permiti-me, com tempo e aos poucos, cuidar de cada detalhe, de cada parede, de cada pedacinho desse lugar.

Não lhe esperava, não lhe pedia mais ao universo, não acreditava mais que conseguiria partilhar de mim com alguém, mas você surgiu, magicamente, como um presente de natal, na noite de uma festa em que eu estava mais ao sul que ao norte.

Você se mostrou, me contou os seus segredos de liquidificador e eu passei quinze longos dias ansiando por voltar do paraíso e ir ao encontro da vida real... Esperava cada mensagem, cada bom dia, e partilhava cada momento do paraíso com você.

Você foi meu presente de natal. Você foi meu desejo de ano novo. Aquele com quem eu quis falar assim que a noite boa se anunciou. Queria-lhe ali comigo... Ouvia seu nome tão comum na minha família e via-me achando graça em lhe buscar onde definitivamente você não estaria.

Estive no paraíso, e não olhava ao redor... Meu acompanhante do baile de gala foi você a mais de 1000 quilômetros de distância, me estimulando a dançar, fazendo piadas e me arrancando sorrisos como poucos conseguiram.

Temi ouvir a sua voz. Calei-me, emudeci.Vacilei diante da eminência do encontro. Mas você veio, no dia em que a vida doía, abraçou-me, beijou-me e mostrou-me que as mensagens, a voz e o homem da foto eram todos a mesma pessoa.

Doce e rápida foi a descoberta. Do toque, do gosto, do cheiro, daquilo que nos era semelhante e do que nos era diferente. O quanto não era, afinal, diferente. Mas não importava, porque era bom estarmos um com o outro.

Você ouviu minhas angústias, minhas mágoas e carregou comigo aquilo que a vida cotidiana tem de mais mesquinho e mais banal... Mas a vida cotidiana com você também voltou a ser bonita... Reaprendi o prazer de dividir uma cama, de dormir abraçada, de acordar a noite sendo puxada pra ficar mais pertinho. Reaprendi o gosto bom de uma tarde de faxina, de seriados no sofá, de cafunés e bons dias mal-humorados por ter acordado cedo.

Quando as lembranças machucaram, você abraçou-me forte, segurou-me e não precisei mais me conter, não precisei mais ser a mulher forte, apenas. O nó no estômago foi para a garganta e se precipitou nos olhos. E você estava lá para recebê-lo e transformá-lo em algo pequeno, desimportante.

Você acessou aquilo que havia de mais dolorido em mim, mas a busca por cicatrizar as minhas feridas me impediu de cuidar das suas e quando menos percebi essas já sangravam outra vez. Porque aquele que ama apenas uma vez e teme amar de novo, desaprende a amar. Os fantasmas de outrora assombram, perseguem e transformar pequenos detalhes em enormes sombras. As suas feridas estavam abertas, e eu não soube fechá-las.

Você viu além do que eu mostrava, viu-me menina e mulher, mas covardemente escondeu-me a doçura que lhe permitira ver-me além do visto. Você não me deixou entrar. Não me deixou lhe mostrar que nenhuma dor deve ser para sempre, que estamos no mundo para sentir, para viver, amar.

A possibilidade da perda lhe fez optar por ela. A possibilidade do sofrimento lhe fez buscá-lo, e a história que começa bonita e inesperada acaba assim, no hiato do temor em continuar.

Não há continuação... Só reticências...

sábado, 15 de março de 2014

Do porque sempre preferi girassóis



Porque eu gosto é de rosas e rosas e rosas
Acompanhadas de um bilhete me deixam nervosa
Ana Carolina

Os girassóis
amarelo!
resistem.
        Manuel Bandeira



Frágil, delicada, bela, refinada... Protegida na cúpula de vidro.
A rosa é uma moça rica, de pele delicada, que chama atenção apenas pelo seu caminhar.


Grande, exagerado, exótico, brega, desgrenhado. O girassol é uma mulher forte, que segue, resiste.





quarta-feira, 12 de março de 2014

Diálogos com Neruda e Drummond









Quando Bandeira não fazia mais sentido...
Quando Drummond simbolizava anseios de outrora,
tão distantes e agora melancólicos...
Quando Florbela e Alejandra me compreendiam, e eu a elas...
Quando Vinícius me parecia belo apenas pela escolha das palavras...
Quando Neruda e eu só dialogávamos nas expressões do Carpe Diem...
Quando a literatura passou a ser somente literatura...

Nasceu uma flor de cerejeira... Garanto que nasceu!

quarta-feira, 5 de março de 2014

De como a solidão me cai bem




"Nada mais vai me ferir é que eu já me acostumei, com a estrada errada que eu segui com a minha própria lei, me sinto tão só e dizem que a solidão até que me cai bem"
Legião Urbana





Outra vez o medo torna-se latente. Outra vez os caminhos tortuosos se apresentam. A poesia, as cerejeiras passam a ser lembranças de alguém que talvez não devesse ter voltado.
Outra vez a cama volta a ser grande, os pratos do jantar diminuem de quantidade e a rotina passa a não necessitar adaptações. Adaptações tão docemente escolhidas.
Outra vez a necessidade de seguir, de saber que tudo na vida tem fim, que no final é você com você mesmo, e que cafunés e carinhos são bonitas lembranças de uma realidade que não mais te compõe. De um passado bonito, apenas...
Outra vez uma história que poderia ter sido e não foi. Outra vez um amor interrompido, uma dor sufocada. Outra vez... Outra vez...
E disso tudo o que levo são novas perguntas tão antigas: Como ser você e ainda assim amar?
Como deixar que duas de você, tão antagônicas e ainda assim tão complementares coexistam?
Os caminhos voltam a ser obscuros, mas afinal seus olhos já se adaptaram outrora a essa escuridão...

quarta-feira, 27 de março de 2013

Fulana, Ana, Mariana...





Fulana, Ana, Mariana (tanto faz!) não quis levantar naquela manhã. Olhou para o relógio (ainda era cedo), olhou para o céu lá fora (já estava claro), sentiu os músculos do corpo pedindo movimento, pedindo que saísse da inércia (muitas horas de cama), mas ainda assim não quis levantar. Tivera um sonho tão bonito, tão pleno, que pensava não valer a pena acordar (a realidade a amedrontava) sonhara com o mar...
Fechou os olhos mais uma vez, naquela tentativa infantil de voltar à parte do sonho que tinha parado, (onde estava mesmo?) amigos, amor, estrada, movimento, mar... Ah, sim... O movimento...
Mover-se, sair, pegar a estrada, rumar ao nada... Fulana tinha aqueles constantes comichões de partir, de rumar ao desconhecido, precisa ver sentido na vida, nas suas ações, na busca pelo futuro, na relação com o outro e a ausência dele a levava a um descontrole desproporcional.
Tipicamente Ana... Ana e a busca pelo sentido, entenda, sentido não quer dizer certeza, não quer dizer pragmatismo, muito menos garantias, sentido quer dizer apenas assumir o risco de uma busca que valha a pela (o problema é saber o que vale a pena)... Quer dizer ter uma busca, ainda que os resultados não sejam necessariamente aquilo que ela buscava...
A monotonia e a inércia a incomodavam... Sabia que se entregar, se jogar a um sentido, gerava angústias (tantas que muitas vezes não dava conta delas), mas outrora havia tentado se fechar, se blindar e aceitar passivamente as escolhas da vida, do destino, e tão pouco tinha funcionado... Há tempos havia optado por se jogar, mas não naquela manhã...
O tempo não ajudava (ou ajudava) a chuva batia na janela, ela sempre gostara do som dos pingos no vidro, estava gostoso ficar embaixo do cobertor, desenhos animados, suco de uva e torradinhas com manteiga, parecia o plano perfeito, aquilo tinha sentido no momento, mais sentido do que levantar e ter que pensar em todos aqueles aspectos da vida que tentamos controlar, mas não temos controle algum... (talvez um orientador organizacional resolvesse as questões práticas da sua vida, mas ela não sabia que isso existia!)... O plano era perfeito: Passar o dia escondida no casulo, depois caminhar no parque como alguém normal e, por fim, se entorpecer com a vida mundana, com as relações superficiais, com a perda da razão, enfim, um dia perfeito, sem planos, sem sentido, com começo meio e fim.
Mas, e os planos? E aquele ímpeto de buscar algo, de construir, de se entregar plenamente a tudo que a vida lhe propõe? É isso... não combinava com ela estar presa ao tanto faz, aos dias que passam se que percebamos o que realmente aconteceu...
Mariana entrava em constantes conflitos internos, o hoje, o ontem o amanhã... Tão essencialmente humana, tão comum... Tinha medo que o passado ficasse só no campo das lembranças, que as vozes daqueles que a compusera se esvanecessem em seu cérebro, deixassem de ser uma recordação e passassem a ser uma hipótese, tinha medo de aceitar que as luzes se apagam e outras podem acender, de olhar as outras luzes que se acendem, porque elas eram tão diferentes daquelas que sempre fizeram tanto sentido, que tanto a iluminara... A merda do sentido! A merda dos planos! A tentativa constante de resgatar o passado, já que o passado era uma zona de conforto, algo que já estava lá, há muito, que não se desdobraria em tantas novas possibilidades...
Por que tantas reticências, Ana? Porque tantas reticências? Já haviam lhe perguntado isso... Seu texto é repleto de reticências... “Reticências possibilitam uma continuidade, uma pausa, mas uma continuidade... Tenho tanto medo do ponto final.”
Ana andava tão a flor da pele, se encantava com os amores alheios, se emocionava com palavras bonitas, queria elogios e confetes... Ana a muito não se bastava (E isso é realmente possível???) Buscava incessantemente sentido no hoje... Tipicamente Fulana, quer tudo, o hoje, o ontem, o amanhã, o pleno, o cuidado, o intenso, o verdadeiro... Quer tudo, menos sair da cama hoje.
Chacoalhou os músculos doloridos, e trocou de roupa (tirar o pijama era um bom começo! Um bom plano!) mas esse plano já pertencia ao agora, e o depois? Então lembrou do sonho... Um caminho, o movimento, o mar... Um rio como o mar? Um novo começo? Reinventar-se uma vez mais?
A estrada, a mochila, e a camisa de flanela, o quadro desenhado como desfecho, como clichê de final feliz na sua mente (Mariana tinha mesmo muito romantismo em seu coração) talvez não fosse isso que a aguardava, talvez nada efetivamente intenso, pleno, sincero, verdadeiro a aguardasse, mas talvez (e lá no fundo ela tinha esperança, inclusive da camisa de flanela), fosse um plano, era um plano, um sentido, uma busca... Moveu-se então... Fulana, Ana, Mariana abriu a porta do quarto e desceu as escadas...

terça-feira, 4 de setembro de 2012

Maior abandonado

                                                                                                               Para o Mostarda, lá de Sorocaba...




"Eu tô perdido
Sem pai nem mãe
Bem na porta da tua casa
Eu tô pedindo
A tua mão
E um pouquinho do braço
Migalhas dormidas do teu pão
Raspas e restos
Me interessam
Pequenas porções de ilusão
Mentiras sinceras me interessam
Me interessam, me interessam"
                                         Cazuza



-- Você nunca fica sozinho, né?
-- Na BR a gente forma uma família, a gente sempre tem alguém, mas sempre tá sozinho...


Acordou com a boca seca, resquício da madrugada que se configurou em cores e flashs. Seu pequeno retângulo coberto e empoeirado já a muito era a sua casa, que levava nas costas com seus poucos pertences carregados de história.
Na mochila apenas duas bermudas, duas camisas e um casaco, além de um velho saco de dormir. O restante, matéria prima, elementos que acumulava de suas andanças e que usava para fazer arte, aquela que lhe possibilitava continuar a caminhar. A poeira já fazia parte de seu corpo, seus pés já não suportavam um calçado fechado, lhe apertavam. Dormia no chão, ainda que tivesse outras possibilidades e preferia seu banho frio, para que o corpo não se reacostumasse com aquilo que logo não teria mais.
Escolhera a BR fazia uns dez anos, por fuga, por vontade de viver, intensamente, não sabia ao certo, talvez o ímpeto adolescente o tenha levado a essa escolha que lhe exigiu tantas renúncias, mas só se abre mão assim de tudo quando o tudo não representa tanto assim.
Seus olhos claros, azuis, transparecem uma inocência dissimulada, fingida, armadilha à desavisadas, ferramenta de sobrevivência, eles lhe permitem a aproximação, não causam estranhamento no outro. Seus passos são rápidos, ainda que não tenha horários a seguir, não consegue ficar parado por muito tempo.
E de fato não fica parado, Belém, Paraty, Palmas, suas casas, moradas temporárias fielmente atualizadas em seu perfil on line, porque a solidão também é dura para quem opta por ela e a falsa sensação de companhia gerada pela cyber modernidade se faz ponte para os mundos que outrora vivenciou, com as famílias que construiu e abandonou.
Pegou sua asa e seu canudo, colocou a mochila nas costas e começou a caminhada diária, o primeiro desafio que seria facilmente resolvida por seus olhos e suas doces palavras, inerentes a ele e tão vazias de real significado, o café da manhã.
Estava só desta vez, não que as últimas companhias realmente tivessem lhe acompanhado, lhe cuidado, mas permitiam ao menos uma conversa, uma festa, uma viagem alucinógena, mística, espiritual, mas individual, mais uma forma de transbordar a animação, a alegria tão assustadoramente sua, tão assustadoramente parte de alguém que se tornara ator e espectador das misérias e da degradação do homem.
A sobrevivência é diária, não filosoficamente, mas de maneira prática e objetiva. Cada arte vendida lhe rende um camping, um hotel, uma comida, artigos básicos de sobrevivência que em alguns momentos assumem o papel de artigos de luxo.
Na BR não há luxos, há papelão no chão para tornar a dormida térmica, há beijos e transas superficiais pra acalmar os anseios do corpo, há riscos e perdas, há superficialidade. E quando a vida dói, quando o coração aperta e a vontade de chorar se torna gritante, há a solidão, o horizonte se perdendo na estrada, e a sensação de que ninguém poderá te ouvir.
Com a vontade saciada e um lanche para mais tarde devidamente guardado junto aos seus pertences foi caminhando rumo à estrada de terra, depois de se sujar na vida mundana da noite anterior seu corpo lhe pedia limpeza e purificação, e Iansã, a mãe da água doce, estaria disposta a recebê-lo e cuidá-lo em suas águas fortes que escorriam das rochas. As vendas, o trabalho, a exposição, ficariam pra depois, sua purificação nesse momento era mais importante e necessária, para que o retorno à Babilônia não o embrutecesse ao anoitecer.
O anoitecer chega e o crepúsculo camufla o olhar solitário, mas também lhe tira um pouco do brilho de suas armas azuis, pra que continuar? Por que ficar? O comichão da estrada de novo o toma, mas a saudade de um lugar pra voltar o tornava confuso e contraditório.
Busca em sua mochila mais um quadradinho, mais uma ilusão, uma mentira. Mentiras sinceras muitas vezes nos interessam e alguns carinhos efêmeros e vazios compuseram e encerraram sua noite.
O acordar, tão seco, confuso e difuso como o anterior surge, sem o fio tênue que conecta as lembranças. Flashs organizam, compõe e desorganizam suas memórias vividas e forjadas. Mas nada é tão bom ou tão triste assim... Apenas mais um dia, em busca de dinheiro, o mínimo para sobreviver, em busca de carinho, prazer, completude, em busca de não se sentir só, pelo menos por hoje.

quarta-feira, 20 de junho de 2012

Os 87...



Está verde. Ultimamente sempre tenho deixado assim, é como um sinal, uma metáfora de que eu também estou disponível, de que quero e tenho necessidade de conversar, de me comunicar.
Desço a barra de rolagem, o número 87 pisca, como se eu realmente tivesse 87 possibilidades de trocas, de conversas e de relações de amizade, amor, companheirismo e preocupação. Número ilusório, me engana. A barra de rolagem o denuncia, os 87 formam parte de uma rede artificial de pessoas que em algum momento da vida me encontraram, mas que não necessariamente se preocupam comigo, talvez até nem lembrem de mim.
Dos 87 me restam 3. Três pessoas que talvez, quem sabe, estejam dispostas a se relacionarem comigo, a conversarem, e que de verdade queiram saber como estou. Mas porque então não iniciam uma conversa? Devem estar ocupadas, devem estar conversando com outras pessoas, devem estar tão conectadas nos posts e imagens que queremos que todos vejam e que provavelmente não geram nenhum tipo de reação, de sentimento, em ninguém. É a falsa sensação de que aquilo que temos a dizer realmente importa a alguém, merece ser dito, é importante, pertinente. Incomodo-os? Questiono-os? Inicio logo uma conversa vazia que me gerará alguns minutos de distração, de alienação da solidão que grita em meus ouvidos?
Nas atualizações percebo que há aqueles que não estão verdes, disponíveis, mas que se manifestam, que estão ali, apenas não querem iniciar uma conversa, não precisam. Sinto inveja. Já fui assim. Já me mantive off todas as vezes que me aventurava no mundo virtual, o vazio, a efemeridade que hoje me confortam, outrora me eram completamente dispensáveis.
Ele também está ali, nas atualizações, mas off. Inatingível. Superior. Não dependente daquelas relações superficiais. Queria conversar, conhecê-lo, descobrir um pouco mais sobre nossas semelhanças e diferenças. Possibilitar a saída do âmbito virtual, ir para o âmbito real. Mas ele continua ali, off, preso em seu mundo, livre em seu próprio mundo.
Acompanho as atualizações, curto ou não? Comento ou não? Me importo ou não? Tanto faz. Meu mundo está solitário e vazio, o dele, quem sabe... Somos todos tão egoístas, inertes em nossa própria arrogância, ego, medos... E nada acontece, e o mundo passa, a vida passa. Quantas outras possíveis conversas, convivências e relações não aconteceram, não acontecerão. E o verde continua verde, o on continua brilhando, os 87 oscilam, ora 100, ora 40, ora 2.
Fecho o computador, como um ato de rebeldia, de tentativa de libertação, apago as luzes, todas aquelas que estão acesas para fingir que há mais alguém na casa. Digo boa noite, ninguém responde. Desligo a TV que me fazia companhia e vou dormir... Não sem antes olhar o celular e imaginar que alguém possa se importar e mandar um sms.    

terça-feira, 22 de maio de 2012

Diálogo Interno

Pero no pudo sentir auténtica melancolía, porque toda la melancolía se la había llevado el Otro Yo. - Mario Benedetti 



Para o 9o ano do Colégio São Domingos
- Acorda, acorda...

- Outra vez você

- Ainda não resolvemos as nossas diferenças...

- E nunca vamos resolvê-las

- Como assim nunca, devemos sempre buscar nosso equilíbrio, agradar a todos, ser querida por todos.

- Ridículo... Ninguém consegue isso. Sério mesmo que você tem isso como objetivo de vida?

- E por que não? A harmonia, a relação fraterna com o outro, a...

- A vida morna, a fuga dos conflitos, a necessidade de sentir-se aprovada pelos outros, de atender às expectativas alheias.

- Como você é exagerada! Não é isso, é apenas pensar no outro, cuidar dos sentimentos e não deixar que ninguém a sua volta se magoe, se machuque...

- Mas, e eu? E o que eu sinto? E quem vai cuidar dos meus sentimentos, das minhas emoções?

- Mas quando se tem uma vida morna as emoções individuais também passam a ser mínimas. Quase não terá tempo para elas, cuidar do mundo demanda tempo...

- Não leve a mal, não é que eu não pense no outro, ou não queira cuidar do mundo, mas será que eu posso escolher simplesmente senti-lo? Fazer parte dele? Intensamente?

- Mas aí surge o risco de se machucar, e se machucando você perde a força, e surge o risco de se descontrolar, de não conseguir lidar com as incertezas do mundo...

- E sofrerei

- Sofrerá

- E chorarei

- Chorará

- E doerá

- Absurdamente

- E não terei tido uma vida morna, não terei passado, terei experimentado as dores e as delícias do mundo...

- Mas a que preço...

- É... o preço... a angústia... a incerteza...

- A solidão

- A possível solidão... Mas essa pode acontecer estando ou não acompanhada.

- ...

- Ande, volte para a cama, deite-se, volte a dormir que por enquanto sou eu quem se mostra, você já esteve em evidência tempo demais...

- É, até você cansar de se machucar

- Não, meu bem, até eu cansar de viver!