quarta-feira, 27 de março de 2013

Fulana, Ana, Mariana...





Fulana, Ana, Mariana (tanto faz!) não quis levantar naquela manhã. Olhou para o relógio (ainda era cedo), olhou para o céu lá fora (já estava claro), sentiu os músculos do corpo pedindo movimento, pedindo que saísse da inércia (muitas horas de cama), mas ainda assim não quis levantar. Tivera um sonho tão bonito, tão pleno, que pensava não valer a pena acordar (a realidade a amedrontava) sonhara com o mar...
Fechou os olhos mais uma vez, naquela tentativa infantil de voltar à parte do sonho que tinha parado, (onde estava mesmo?) amigos, amor, estrada, movimento, mar... Ah, sim... O movimento...
Mover-se, sair, pegar a estrada, rumar ao nada... Fulana tinha aqueles constantes comichões de partir, de rumar ao desconhecido, precisa ver sentido na vida, nas suas ações, na busca pelo futuro, na relação com o outro e a ausência dele a levava a um descontrole desproporcional.
Tipicamente Ana... Ana e a busca pelo sentido, entenda, sentido não quer dizer certeza, não quer dizer pragmatismo, muito menos garantias, sentido quer dizer apenas assumir o risco de uma busca que valha a pela (o problema é saber o que vale a pena)... Quer dizer ter uma busca, ainda que os resultados não sejam necessariamente aquilo que ela buscava...
A monotonia e a inércia a incomodavam... Sabia que se entregar, se jogar a um sentido, gerava angústias (tantas que muitas vezes não dava conta delas), mas outrora havia tentado se fechar, se blindar e aceitar passivamente as escolhas da vida, do destino, e tão pouco tinha funcionado... Há tempos havia optado por se jogar, mas não naquela manhã...
O tempo não ajudava (ou ajudava) a chuva batia na janela, ela sempre gostara do som dos pingos no vidro, estava gostoso ficar embaixo do cobertor, desenhos animados, suco de uva e torradinhas com manteiga, parecia o plano perfeito, aquilo tinha sentido no momento, mais sentido do que levantar e ter que pensar em todos aqueles aspectos da vida que tentamos controlar, mas não temos controle algum... (talvez um orientador organizacional resolvesse as questões práticas da sua vida, mas ela não sabia que isso existia!)... O plano era perfeito: Passar o dia escondida no casulo, depois caminhar no parque como alguém normal e, por fim, se entorpecer com a vida mundana, com as relações superficiais, com a perda da razão, enfim, um dia perfeito, sem planos, sem sentido, com começo meio e fim.
Mas, e os planos? E aquele ímpeto de buscar algo, de construir, de se entregar plenamente a tudo que a vida lhe propõe? É isso... não combinava com ela estar presa ao tanto faz, aos dias que passam se que percebamos o que realmente aconteceu...
Mariana entrava em constantes conflitos internos, o hoje, o ontem o amanhã... Tão essencialmente humana, tão comum... Tinha medo que o passado ficasse só no campo das lembranças, que as vozes daqueles que a compusera se esvanecessem em seu cérebro, deixassem de ser uma recordação e passassem a ser uma hipótese, tinha medo de aceitar que as luzes se apagam e outras podem acender, de olhar as outras luzes que se acendem, porque elas eram tão diferentes daquelas que sempre fizeram tanto sentido, que tanto a iluminara... A merda do sentido! A merda dos planos! A tentativa constante de resgatar o passado, já que o passado era uma zona de conforto, algo que já estava lá, há muito, que não se desdobraria em tantas novas possibilidades...
Por que tantas reticências, Ana? Porque tantas reticências? Já haviam lhe perguntado isso... Seu texto é repleto de reticências... “Reticências possibilitam uma continuidade, uma pausa, mas uma continuidade... Tenho tanto medo do ponto final.”
Ana andava tão a flor da pele, se encantava com os amores alheios, se emocionava com palavras bonitas, queria elogios e confetes... Ana a muito não se bastava (E isso é realmente possível???) Buscava incessantemente sentido no hoje... Tipicamente Fulana, quer tudo, o hoje, o ontem, o amanhã, o pleno, o cuidado, o intenso, o verdadeiro... Quer tudo, menos sair da cama hoje.
Chacoalhou os músculos doloridos, e trocou de roupa (tirar o pijama era um bom começo! Um bom plano!) mas esse plano já pertencia ao agora, e o depois? Então lembrou do sonho... Um caminho, o movimento, o mar... Um rio como o mar? Um novo começo? Reinventar-se uma vez mais?
A estrada, a mochila, e a camisa de flanela, o quadro desenhado como desfecho, como clichê de final feliz na sua mente (Mariana tinha mesmo muito romantismo em seu coração) talvez não fosse isso que a aguardava, talvez nada efetivamente intenso, pleno, sincero, verdadeiro a aguardasse, mas talvez (e lá no fundo ela tinha esperança, inclusive da camisa de flanela), fosse um plano, era um plano, um sentido, uma busca... Moveu-se então... Fulana, Ana, Mariana abriu a porta do quarto e desceu as escadas...

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