segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

O fim de uma viagem é o início de outra...


Os mais de 4.000 metros de altitude inicialmente refletiram em sua respiração, em seu cansaço, tornando duros os primeiros passos daquela caminhada a que se propusera. Subir a montanha com o sol forte e o vento gelado gerava em seu corpo e em sua mente sensações antitéticas... Contraditórias... Mas ela sabia que deveria continuar, que aquela experiência valeria a pena ser narrada, recontada em outros tantos momentos.
Pé ante pé colocou a vontade acima do cansaço e continuou a andar, a luz do sol refletindo no lago parecia cegar a visão que poderia ter do horizonte, mas tudo bem, olhar o imediato parecia mais interessante do que tentar prever o que lhe aguardava no caminho.
Sabia de toda a história que cercava aquela montanha, de todo o contexto cosmológico traçado nos escritos dos povos antigos que viveram naquela região, respeitava todas as crenças, mas relutava em aceitá-las de maneira racional... A racionalidade era algo que sempre determinara o tom de suas escolhas e suas relações e acreditar que um lugar pudesse carregar uma energia capaz de curar e libertar a alma de um indivíduo era um pouco mais do que ela conseguiria aceitar.
Já fora tão difícil reconstruir suas próprias crenças, chegar a um consenso entre razão e emoção depois de tudo o que passara na “vida real”, depois de assistir a suas verdades, seus dogmas, suas razões, serem negados e repensados até conseguir se recompor e voltar a ser alguém, pleno em dúvidas e certezas. Aceitar agora que os ventos, as pedras, as plantas daquele lugar poderiam intervir em suas reflexões e escolhas lhe gerava mais pensamentos contraditórios do que libertadores.
Mas ela continuava... Aliás, não parara em momento algum, o ritmo de seus pensamentos era a trilha sonora daquele caminho que percorria. Sempre julgara interessante passar por experiências que lhe possibilitassem reflexões que talvez surgissem apenas em um outro momento da vida, mas a cada passo que dava percebia que essa experiência geraria pensamentos maiores do que alegorias de vida que se desdobrariam em conselhos para outras pessoas, em reconstruções de memórias revisitadas, revistas, corrigidas.
Depois de muitas terapias de bar, de muitas trocas entre amigos e estranhos aprendera que memória é sempre reconstrução, que revivemos experiências de nossa vida, focando aquilo que convém naquele momento, buscando nas nossas vivências explicações didáticas para erros e acertos, exemplos de caminhos a serem seguidos, ou não. Tentamos mudar os caminhos que escolhemos nas escolhas alheias, como se isso representasse a possibilidade de reviver a mesma história a partir de outro ângulo, outro lugar.
Finalmente chegara ao ponto central da caminhada, ao ponto mais alto daquela serra que lhe dava a visão mais ampla do lago e das ilhas ao redor e mesmo o lugar sendo tão bonito, repleto de ruínas e marcos históricos, não conseguia parar de olhar para fora, para o horizonte que vislumbrava.
E seu racionalismo fora pro espaço... Se desmaterializara com o suor daquela caminhada. Já não mais negava o que sentia, já não mais pensava e ponderava o que era certo ou errado sentir, ser... Cansara de ser, queria estar, queria viver aquela mutabilidade que as energias daquele lugar pareciam lhe convidar a experimentar. Se percebia como parte harmônica daquilo tudo, como uma poeira que formava parte das tantas outras poeiras, das tantas outras pedras, das tantas outras ruínas... Naquele momento era pequena, uma pequena parte de algo maior, naquele momento... Mas a visão de que ela poderia ser tantas coisas, fazer parte de tantos outros contextos finalmente lhe gerava a tal sensação de liberdade que tantas vezes ouvira e que acreditava fazer parte do campo da ficção.
E a racionalidade? E as certezas e seguranças? Pouco importava. Seguramente voltariam a sua cabeça no caminho de volta ao porto, bem como todos os questionamentos, angústias e inseguranças... Mas o imediato era o que importava, e depois ela poderia revisitar aquela memória, contar e recontar a partir do ângulo, do lugar, do personagem que melhor coubesse na situação. Lembrar é reinventar.

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