terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Por estarem distraídos



Foram então aprender que, não se estando distraído, o telefone não toca, e é preciso sair de casa para que a carta chegue, e quando o telefone finalmente toca, o deserto da espera já cortou os fios. Tudo, tudo por não estarem mais distraídos.
Clarice Lispector


Por estarem distraídos com a loucura diária, com as obrigações cotidianas e a ordem natural da vida não sentiram suas gargantas secas, nem provaram da doce embriaguez da presença de cada um.
Por estarem distraídos não se permitiram o toque casual, incontrolável, que a convivência acaba por gerar... E caso acontecesse, não o vivenciaram, não o sentiram, encararam como sendo um esbarrão qualquer da vida.
Por estarem distraídos não se procuraram, não se olharam, e quando por um pequeno lapso seus olhares se cruzavam, os desviavam, convencendo-se que havia sido uma coincidência.
Por estarem distraídos não perceberam que dali algo poderia nascer... Que facilmente uma história surgiria, que eles conversavam e se entendiam muito mais do que imaginavam.
Por estarem distraídos negaram as palpitações no coração com a presença do outro, à vontade de estarem juntos, mesmo de vez em quando, sem obrigatoriedades ou rótulos da vida real.
Por estarem distraídos não se permitiram sentir... E o tempo cumpriu sua função e fez daqueles olhares e daquelas sensações algo menor diante das maioridades mundanas, diante das complexidades que criamos, quando as relações poderiam ser bem mais simples.
Por estarem distraídos não viveram essa história. Não se entregaram... Passaram... E foram esquecidos.

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