segunda-feira, 14 de maio de 2012

O tapete



O apartamento era pequeno, um loft modesto, onde cabia uma cama de casal, um guarda-roupa e uma escrivaninha, apertada perto do que havia dividido como o espaço da cozinha, mas, apesar de tudo, era um bom lugar. Seu tamanho, ou a ausência dele, fazia com que não se sentisse só, sua voz não ecoava no espaço inexistente, não precisava lidar com a constante sensação de que ficava cada vez menor diante dos móveis, das paredes, dos quadros, das sombras da casa.
No chão, perto da cama, o tapete, repleto de almofadas... Outrora escolhido cuidadosamente, toque final para dar a sensação de aconchego ao seu novo lugar, ao seu lugar, escolhido, montado, decorado a partir dos seus caprichos e desleixos. O tapete representava o momento de apropriação do espaço, quando ousara fazer daquele o seu canto, continuação de sua personalidade.
 Ao longo do tempo passara a fazer daquele seu refúgio, não precisava de mais nada, lá estavam seus livros, seu computador, seus cd´s, seu mundinho particular que o possibilitava não ter que relacionar-se com outros indivíduos. Preferia assim. As relações humanas cada vez mais o incomodavam. A solidão podia até doer, mas o privava das decepções. O ser humano é assim, egoísta por natureza, e inevitavelmente magoará, subestimará, decepcionará a quem quer que seja...
Mas havia o corpo, as necessidades torpes que muitas vezes o faziam sentir vergonha, mas que ele aprenderá a conviver. Era ali, no tapete, era ali que se entregava aos vícios do corpo.  Cuidadosamente escolhido, se tornara o lugar do alívio... Álcool, sexo, telefonemas dissimulados, quando fingia se importar com aquela que seria a próxima da lista, aquela que iria saciar suas necessidades físicas, de bicho, seu gozo frio, animal, como um corpo apenas, presente, mas não entregue.
Por que não na cama? Não, aquele era o seu espaço, lugar da sua entrega, do choro, da dor, do sono vencido, ou vencedor. Ali, na cama, ele era frágil, passível de ser afetado, tocado... Não, não permitiria que aquele espaço fosse contaminado pelos vícios tão mundanos que muitas vezes se obrigava a vivenciar... O fato é que precisar disso o incomodava. Precisar do álcool, do sexo sem rosto, saber e querer enganar aquelas tantas mulheres que viam nele um alento, um lugar de fuga e conforto o fazia sentir-se sujo, mas ao mesmo tempo, poderoso, alguém que consegue agir por sobre as vontades e as emoções humanas, que magoa, fere, para não correr o risco de se envolver demais, de querer demais.
Por isso a cama estava fora de cogitação, era no tapete, lá que transformava cada mulher que passava em sua vida em mais uma, mais uma garota do tapete, igual a que se apaixonara por Tomaz em A insustentável leveza do ser, mas que não tivera seus momentos de entrega e catarse vividos de maneira recíproca, porque era apenas um corpo, um objeto de desejo, de satisfação de necessidade, de prazer.
Olhou outra vez para o tapete, da cama deslizou cuidadosamente até ele, como sempre fazia com qualquer mulher que ousasse deitar-se nela. Aconchegou-se, puxou algumas almofadas e colocou-as embaixo da cabeça, e com o telefone em mãos decidiu pra quem ligaria, com que conversaria, e o mais importante de tudo, qual eu iniciaria a conversa. Porque, de verdade, todas aquelas simulações e dissimulações eram também um pouco ele. Um pouco verdade, um pouco melancolia, ainda que se negasse a aceitar.



- Oi meu bem, pensei em você o dia inteiro...











Nenhum comentário:

Postar um comentário